quinta-feira, 9 de abril de 2009

HISTÓRIA E CIDADANIA


Por que ensinar história hoje?


João S. Costa*


O conhecimento formal sempre foi uma arma nas mãos de “grupos dominantes” e de governos. Quanto ao uso do ensino de história sob estas condições o fato se dá o mesmo. Segundo Magalhães (2003 apud ABREU, SOIHET, p.168-169, 2003) a matéria história na França entre os séculos XVIII e inicio do XIX era um instrumento que desempenhava uma função cívica, contribuindo para fundar a unidade da nação; servia para pensar também a questão da expansão colonial e o papel civilizador. Portanto estava a serviço do Estado.
No Brasil, o papel não será diferente. Com a afirmação do Estado Nacional a história também será, através do Colégio D. Pedro II, no Rio de Janeiro, em 1837 , veículo para venerar os poderes temporais e espirituais, sendo – a dividida em história sagrada, com cronologia própria, e a outra laica definida pelo Estado, norteada pela história da Europa Ocidental, sobretudo da França.
A partir da Segunda-Guerra Mundial, com Bloch e Lucien Febvre, no campo da história acadêmica, a revista Annales d’Histoire Économique et Sociale, fundada em 1929, denunciará um história muito centrada no acontecimento político, tendo como alvo da atenção os grandes homens e fatos que exaltavam os heroísmos das nações (MAGALHÃES apud ABREU, SOIHET, p.169, 2003), o que implicava em excluir deste espaço de debate grupos minoritários e as ações de homens de pouca “importância histórica” até então.
No Brasil, entre 1920 a 1930, a Escola Nova iria entrar em conflito com a história que supervalorizava a história política e o excesso de memorização. Fato comum ainda nas escolas atuais.
Com os cursos universitários voltados para a formação do professor secundário, e com a chegada de diversos cientistas estrangeiros, como Fernando Braudel, haverá uma nova discussão em relação ao ensino de história.
Assim é que em 1960 há uma preocupação em ensinar também os métodos da história, o que a partir da ditadura militar em 1964 será interrompido. Retomado somente mais tarde a partir da década de 1980 com uma maior flexibilidade do próprio governo golpista, com a pressão interna dos diversos grupos sociais e retorno da intelectualidade brasileira que estava exilada.
Neste período novas questões passam a ser discutidas, com os olhares diversos da sociedade, entre elas: Como ensinar história atual num mundo globalizado, de rápidas transformações e forte democratização, e em especial o Brasil, que se recompunha após anos de ditadura?
Em 1983, o país, destacando São Paulo e Minas Gerais, inicia o processo de reforma curricular. Estas reformas serão influenciadas por fortes debates do que abordar e de como abordar o ensino de história nas escolas. O governo de São Paulo procurou mobilizar os professores da rede e elementos de outros setores para tratar da reformulação, dando assim um caráter democrático às ações. A reformulação teve três momentos: 1983 a 1986 períodos de debates em encontros; 1986 iniciam o processo de redação da proposta curricular de história do 1° e 2º grau; 1987 uma terceira versão entra em discussão, mas em seguida uma onda de protesto registrados em jornais como O Estado de S. Paulo, revistas, a CENP e outros meios de comunicação e setores passaram a atacar pesadamente a reformulação. Segundo Magalhães (para o Editorial de O Estado de S. Paulo) se criava uma “Escola da Revolução”, pois a proposta curricular se moldava tipicamente em conceitos marxista-leninistas, longe de atender as demandas do aprendizado elementar evitando assim o fantasma do analfabetismo e o cultivo à ignorância. A voz de um passado sombrio (leia-se ditadura militar) ecoava ainda na década de 1980.
O debate só volta à cena em 1990, quando ainda há uma preocupação do cidadão a que se propõe formar. Conforme Magalhães, a partir de análise da historiadora Circe Bittencourt, neste período para evitar que sejam entendidas como pacotes impostos aos sistemas de ensino pelas secretarias municipais e estaduais de educação, quase sempre as propostas traziam em seus textos de apresentação a descrição do percurso de discussão com docentes, alvos principais de qualquer mudança curricular (MAGALHÃES apud ABREU, SOIHET, p.174, 2003).
Enfocarão durante este período, além de formar cidadãos críticos, era o que se pressupunha nas propostas, a contribuição para a construção de identidade; lembremos que esta prática era fato dos séculos XIX, mas agora, voltada para uma noção de globalidade, da relação nacional x global.
Em 1990 serão formulados os PCNs, onde para o autor será um campo fértil para analisar o significado de cidadania. Propõe-se a fazer um recorte para esta análise. Destaca que os PCNs partem do pressuposto de que o ensino de história favorece a formação do estudante como cidadão, no sentido de se ter uma atitude crítica diante da realidade (MAGALHÃES apud ABREU, SOIHET, p.176, 2003). Neste caso o cidadão para se ter uma noção de cidadania é preciso refletir sobre sua dimensão histórica. O que o autor expõe que a questão de cidadania é caracterizada como problema-chave do final do século XX. Pois se antes havia uma idéia de que a cidadania se limitava ao direito de participação política de Estado, hoje, cidadania deve, portanto representar o direito de inclusão de novos direitos (direitos civis, políticos, sociais e culturais) frente à nova demanda mundial e novas transformações.
No Brasil, por exemplo, sabe-se que diante da carga histórica recebida de um período de dominação e hoje redefinida, o estudo da história, conforme os PCNs, vem para analisar a situação da cidadania na história, mas que nos dias atuais as marcas se encontram em novas (ou velhas) relações de poder, sociais e de hierarquização e privilégios. O que está em jogo são meios e formas, porque não dizer reflexões, estudos e ações que devem ser adotadas para vencer o alto nível de desigualdade, de injustiça e exclusão.
Segundo o autor, os PCNS propõem a análise da cidadania a partir de um conjunto de princípios democráticos, a saber: a dignidade da pessoa humana, a igualdade de direitos, a participação (noção de cidadania ativa) e a co-responsabilidade pela vida social – que é partilhar com os poderes públicos e diferentes grupos sociais (...) a responsabilidade pelos destinos da vida coletiva (MAGALHÃES, apud ABREU, SOIHET, p.177,2003).
O autor ainda ressalta que os PCNs , apesar de contribuir para a reformulação do ensino da história e de seus méritos, estão à deriva de duas perspectivas: o parâmetro se esguia por favorecer o debate em torno da expansão e da universalização dos direitos, e por outro favorece o direito à diferença. O que conclui o autor analisando que os dois fatos não geram contradição, pois há possibilidade duas perspectivas se complementarem e não precisamente se oporem.
Para mim fica a lição de que a história de fato tem um papel fundamental na sociedade, que à escusa de um ou outro grupo pode favorecer certos interesses e ideologias. Como nossa sociedade está pautada na diversidade de grupos, de situações sociais e econômicas, e propriamente dominada por grupos capitalistas sob novas roupagens e abordagens, cabe aos grupos sociais ditos subalternos se apropriarem do ensino da história no sentido de dar voz e vez a sua própria história; é o que já temos visto há muito tempo, mas que não deve ser perdido de vista. Cabe ao professor saber lidar com estas questões, sabendo relacionar: não ignorando o saber elitista de vez, ou tampouco ignorar a história e histórias de grupos “subalternos”. Ainda é um desafio, que, para mim, as novas reformulações na área da história ainda não deram conta de abarcar.

Referência:

MAGALHÃES, Marcelo de Souza. História e Cidadania: por que ensinar história hoje? In: ABREU, Martha e RACHEL, Soithet (orgs). Ensino de história: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, p.169-183, 2003.
Imagem: fonte:WEB

*João S. Costa é graduando em Licenciatura em História pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB.

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